segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto.




— O meu nome é Severino,   
como não tenho outro de pia.  
Como há muitos Severinos,  
que é santo de romaria,   
deram então de me chamar  
Severino de Maria  
como há muitos Severinos  
com mães chamadas Maria,  
fiquei sendo o da Maria  
do finado Zacarias.   
  


Mais isso ainda diz pouco:   
há muitos na freguesia,   
por causa de um coronel   
que se chamou Zacarias   
e que foi o mais antigo   
senhor desta sesmaria.

   

Como então dizer quem falo   
ora a Vossas Senhorias?   
Vejamos: é o Severino   
da Maria do Zacarias,   
lá da serra da Costela,   
limites da Paraíba.

   

Mas isso ainda diz pouco:   
se ao menos mais cinco havia   
com nome de Severino   
filhos de tantas Marias   
mulheres de outros tantos,   
já finados, Zacarias,   
vivendo na mesma serra   
magra e ossuda em que eu vivia.

   

Somos muitos Severinos  
iguais em tudo na vida:   
na mesma cabeça grande   
que a custo é que se equilibra,   
no mesmo ventre crescido   
sobre as mesmas pernas finas   
e iguais também porque o sangue,   
que usamos tem pouca tinta.  



E se somos Severinos   
iguais em tudo na vida,   
morremos de morte igual,   
mesma morte severina:   
que é a morte de que se morre   
de velhice antes dos trinta,   
de emboscada antes dos vinte   
de fome um pouco por dia   
(de fraqueza e de doença   
é que a morte severina   
ataca em qualquer idade,   
e até gente não nascida).

   

Somos muitos Severinos   
iguais em tudo e na sina:   
a de abrandar estas pedras   
suando-se muito em cima,   
a de tentar despertar   
terra sempre mais extinta,   


a de querer arrancar   
alguns roçado da cinza.


   
Mas, para que me conheçam   
melhor Vossas Senhorias   
e melhor possam seguir   
a história de minha vida,   
passo a ser o Severino   
que em vossa presença emigra.   


Conhecendo um pouco mais sobre a obra e o autor.


Morte e Vida severina é um livro do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955 e publicado em 1955.
O nome do livro é uma alusão ao sofrimento enfrentado pela personagem.
O livro apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um migrante nordestino em busca de uma vida mais fácil e favorável no litoral.


O gênero literário

O poema é narrativo com seu gênero dramático. Consiste em duas partes: antes de chegar em Recife e depois. Antes de chegar chamamos de caminho ou fuga da morte; e depois em o presépio ou encontro da vida. O poema é feito em redondilha maior (sete sílabas métricas).

O autor

João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de janeiro, 9 de outrubro de 1999) foi um poeta de diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil. Foi casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve os filhos Rodrigo, Inez, Luiz, Isabel e João. Casou-se em segundas núpcias, em 1986, com a poeta Marly de Oliveira. 

Deleite-se com outras obras do autor:
- Algumas sugestões -

  • Pedra do sono 
  • Os três mal-amados
  • O Engenheiro 
  • Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode
  • O Cão sem Plumas 
  • Dois Parlamentos 
  • Quaderna 
  • A educação pela pedra
  • Museu de Tudo 
  • A Escola das Facas 
  • Auto do Frade 
  • Agrestes 
  • Crime na Calle Relator 
  • Primeiros Poemas 
  • Sevilha Andando 
  • Tecendo a Manha 


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