quinta-feira, 17 de novembro de 2011



O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.



Cecília Meireles
TRAZE-ME...

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!

(CECÍLIA MEIRELES)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Quero Saber.

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com um te dou o meu
com uma condição: não nos compreender.
                                               



(Pablo Neruda)




                                                               

O poço.




Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

(Pablo Neruda)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011


Eu sou a que no mundo anda perdida, 
Eu sou a que na vida não tem norte, 
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte 
Sou a crucificada… a dolorida

Sombra de névoa ténue e esvaecida, 
E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! 
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê
Sou a que chamam triste sem o ser 
Sou a que chora sem saber porquê
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver 
E que nunca na vida me encontrou!


(Florbela Espanca)

"Os três mal-amados"



O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. 
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

(João Cabral de Melo Neto)

Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto.




— O meu nome é Severino,   
como não tenho outro de pia.  
Como há muitos Severinos,  
que é santo de romaria,   
deram então de me chamar  
Severino de Maria  
como há muitos Severinos  
com mães chamadas Maria,  
fiquei sendo o da Maria  
do finado Zacarias.   
  


Mais isso ainda diz pouco:   
há muitos na freguesia,   
por causa de um coronel   
que se chamou Zacarias   
e que foi o mais antigo   
senhor desta sesmaria.

   

Como então dizer quem falo   
ora a Vossas Senhorias?   
Vejamos: é o Severino   
da Maria do Zacarias,   
lá da serra da Costela,   
limites da Paraíba.

   

Mas isso ainda diz pouco:   
se ao menos mais cinco havia   
com nome de Severino   
filhos de tantas Marias   
mulheres de outros tantos,   
já finados, Zacarias,   
vivendo na mesma serra   
magra e ossuda em que eu vivia.

   

Somos muitos Severinos  
iguais em tudo na vida:   
na mesma cabeça grande   
que a custo é que se equilibra,   
no mesmo ventre crescido   
sobre as mesmas pernas finas   
e iguais também porque o sangue,   
que usamos tem pouca tinta.  



E se somos Severinos   
iguais em tudo na vida,   
morremos de morte igual,   
mesma morte severina:   
que é a morte de que se morre   
de velhice antes dos trinta,   
de emboscada antes dos vinte   
de fome um pouco por dia   
(de fraqueza e de doença   
é que a morte severina   
ataca em qualquer idade,   
e até gente não nascida).

   

Somos muitos Severinos   
iguais em tudo e na sina:   
a de abrandar estas pedras   
suando-se muito em cima,   
a de tentar despertar   
terra sempre mais extinta,   


a de querer arrancar   
alguns roçado da cinza.


   
Mas, para que me conheçam   
melhor Vossas Senhorias   
e melhor possam seguir   
a história de minha vida,   
passo a ser o Severino   
que em vossa presença emigra.   


Conhecendo um pouco mais sobre a obra e o autor.


Morte e Vida severina é um livro do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955 e publicado em 1955.
O nome do livro é uma alusão ao sofrimento enfrentado pela personagem.
O livro apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um migrante nordestino em busca de uma vida mais fácil e favorável no litoral.


O gênero literário

O poema é narrativo com seu gênero dramático. Consiste em duas partes: antes de chegar em Recife e depois. Antes de chegar chamamos de caminho ou fuga da morte; e depois em o presépio ou encontro da vida. O poema é feito em redondilha maior (sete sílabas métricas).

O autor

João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de janeiro, 9 de outrubro de 1999) foi um poeta de diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil. Foi casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve os filhos Rodrigo, Inez, Luiz, Isabel e João. Casou-se em segundas núpcias, em 1986, com a poeta Marly de Oliveira. 

Deleite-se com outras obras do autor:
- Algumas sugestões -

  • Pedra do sono 
  • Os três mal-amados
  • O Engenheiro 
  • Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode
  • O Cão sem Plumas 
  • Dois Parlamentos 
  • Quaderna 
  • A educação pela pedra
  • Museu de Tudo 
  • A Escola das Facas 
  • Auto do Frade 
  • Agrestes 
  • Crime na Calle Relator 
  • Primeiros Poemas 
  • Sevilha Andando 
  • Tecendo a Manha 


domingo, 4 de setembro de 2011



     Ultímo Pau de Arara (Luís Gonzaga)                                                
                                                                                   


A vida aqui só é ruim

Quando não chove no chão

Mas se chover dá de tudo

Fartura tem de montão

Tomara que chova logo

Tomara meu Deus tomara

Só deixo o meu cariri

No último pau-de-arara
.
Enquanto a minha vaquinha

Tiver o couro e o osso

E puder com o chocalho

Pendurado no pescoço

Eu vou ficando por aqui

Que deus do céu me ajude

Quem sai da terra natal

Em outros cantos não para

Só deixo o meu cariri

No último pau-de-arara.


sábado, 3 de setembro de 2011

Pedacinho de Terra


Estava pensando aqui comigo, porque me resumir em postar apenas ditos, frases, poesias, textos literários de tantos poetas e escritores, e não falar de minha terra? Do meu sertão nordestino?
Quero com muita humilde colocar neste blog obras literárias e artísticas de grandes nomes do meu pedaço de sertão. Por quê não colocar neste espaço interativo, músicas de Luís Gonzaga, Dominguinhos, Elba Ramalho e tantos outros?  Por que não trazer aqui obras literárias que falam do nordeste e de suas grandezas? 
Quero aqui com majestosa delicadeza postar grandes textos da literatura que resgatem a cultural popular do nosso sertão.




Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.” (Guimarães Rosa)



Que Seja Doce'

Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo.
Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso.
Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes.
Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito.
Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria.
Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão de se sentir feliz.
As coisas vão dar certo.
Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz – se não tiver, a gente inventa.
Te quero ver feliz, te quero ver sem melancolia nenhuma.
Certo, muitas ilusões dançaram.
Mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas.
Repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.
Que seja bom o que vier, pra você.
(Caio F. de Abreu)